quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Fim do mundo 21 de Dezembro




 
Sim, dizia a voz vinda do 
alto. O  estranho era que eu não havia perguntado nada. Havia sim pensado em algo. Foi logo que acordei e vi a mensagem que o mundo  acabaria às vinte e três horas e quarenta e seis minutos de sexta feira do dia 21 de dezembro de 2012. Por alguns segundos revi minha agenda mentalmente e alegrei-me em saber que não tinha nenhuma reunião agendada pra o dia 22. Respirei aliviado, pois odeio chegar atrasado ou faltar com meus compromissos. Deitado ainda na cama com os braços sobre os olhos para evitar que a pouca luz que insistia em entrar em meu quarto irritasse minhas retinas logo pela manhã, eu tentei levantar, mas o corpo teimava em não aceitar as ordens que o despertador estava dando. Em minha cabeça passavam mil coisas que poderia fazer antes do mundo acabar. Pensei em não ir trabalhar e esperar o shopping abrir para comprar o terno mais caro no cartão de crédito em três vezes. Imaginei a cara da vendedora:

- Débito ou crédito?
E
u sabendo que não iria pagar:
- Pode ser no crédito, por favor.
Leve sentimento de mesquinharia  invadiu meus pensamentos ,mas era justo já que passei a vida toda fazendo o certo; atravessando na faixa, devolvendo os livros na biblioteca, devolvendo os filmes das locadoras, lendo bons livros, respeitando a sinalização de transito, respeitando as placas "não pise na grama" mesmo eu estando descalço, indo a igreja, pagando o dizimo, torcendo para o  Brasil na copa, não debatendo politica, sendo neutro nas reuniões de condomínio, era justo sim, isso eu afirmava para mim mesmo e sorria sem me levantar da cama.
O relógio novamente grita dizendo que deveria levantar, e eu sabia que se caso o relógio tocasse mais uma vez iria ter que pegar o elevador com o vizinho do 66 e eu não suporto a conversa dele. Sempre a mesma coisa:
- Bom dia seu Mauro
  E eu como cara de sono:
- Bom dia senhor Rogério

- Já decidiu vender a sua vaga da garagem?
Ele sabe que não quero vender e mesmo assim ele insiste em comprar. Bem que eu poderia vender, receber o dinheiro e ir ao shopping comprar a roupa para o fim do mundo  e pagar à vista. Não, acho melhor dar calote no cartão de crédito. O prazer da mesquinharia   voltou em meu pensamento, ou seria melhor vender pro  vizinho do 66, dar a ele o gostinho de ter a vaga e me deliciar no prazer de saber que ele não iria desfrutar desse novo bem. Não vou dar a ele esse prazer.
O relógio tocou pela terceira vez e a esta altura o dialogo chato do elevador não aconteceria mais, só me restava agora levantar e correr para não me atrasar. Durante doze anos e quatro meses trabalhando na mesma repartição publica, cheguei atrasado apenas duas vezes. Uma foi na greve de ônibus de 2006. Eu sabia que teria greve e o carro estava na oficina. Sai com duas horas de antecedência, a chuva não dava trégua, mesmo assim eu corria para chegar  a  tempo. Parei por alguns minutos na banca de revista para esperar a chuva passar, quando dei por mim faltavam vinte minutos para eu bater o cartão. Corri, tentei pegar um táxi e nada. Cheguei às oito horas e oito minutos. Fiz um relatório e protocolei-o somente no final da tarde pois o Andre, responsável pelo protocolo, havia chego às quatorze horas. anotei,  isso também no meu relatório. 
A segunda vez foi por que o carro estragou logo que sai de casa,  deixei-o na rua e peguei um ônibus. Eu não conhecia bem o trajeto e acabei errando de terminal. Desta vez não fiz relatório fui direto falar como o supervisor geral.
    Rolei na cama e vi que se quisesse chegar a tempo teria que estar pronto em trinta minutos.
Hoje é o ultimo dia do mundo, pensei. O certo era ligar para minha ex mulher pedir desculpas, convidá-la para almoçar. Ela sempre gostou de comer no Olivas Grill . Começamos a frequentar quando éramos namorados, depois que casamos já não tinham motivos que justificasse o gasto com luxurias desnecessárias.  Hoje seria um  bom dia de tentar reconciliar com ela. Poderia convidá-la, reservar a melhor mesa, pedir o melhor vinho e pagar no cartão de crédito.   Boa ideia.
Depois do almoço poderia levá-la para  o Bosque do Papa e dançarmos tango.     Eu nunca aprendi, mas seria bom dançar o meu primeiro e ultimo tango nos braços dela. Ver que olhares curiosos seguiriam nossos passos descoordenados. Poderia pegar uma flor do canteiro e colocar em seu cabelo, ela iria sorrir. 
No meio do sorriso eu poderia pedir para que voltasse a ser minha namorada,noiva, m esposa,amante e minha amiga. Se ela dissesse sim, eu tiraria a aliança que trago guardado na carteira desde quando ela em lagrimas ,a jogou no piso de casa , e daria a ela pela segunda vez.
Com o sim dela, sairíamos de mãos dadas pela rua, deixaria o paletó pendurado numa placa de transito, os meus sapatos e as sandálias dela ficariam pelo caminho e nós de mãos dadas riríamos da ironia de estarmos juntos para todo o sempre e mesmo  sabendo que o sempre duraria até às vinte e três horas e quarenta e seis minutos de hoje.  
Se começasse a chover como sempre chove em Curitiba, iriamos andar bem devagar e escorregar na grama. Iriamos deixar a chuva lavar nossos corpos e limpar nossas almas das mágoas acumuladas ao longo de anos sem dialogo. Depois que o sol voltasse como ele sempre volta, depois da chuva, por ser o ultimo por do sol de nossas vidas, da vida de toda humanidade, eu não me incomodaria em sentar num banco do Passeio Publico, pegar nas mãos dela  e dizer o quando a amo ainda.
O relógio toca a quarta vez, tinham vinte minutos para eu me arrumar. Levantei  meio tonto, olhei pro relógio, abri as cortinas da sala e vi que no canto dos pássaros, que nas arvores do terreno vazio lá fora o dia estava explodindo em quando as borboletas festejavam a vida. Foi nesse momento que pensei : "Será que esse mundo vai acabar " e a voz vinda do alto respondeu "sim ". Fiquei feliz e fui ligar para minha ex esposa e a voz do alto conclui:  "Sim, mas não hoje"
Foi nesse dia que cheguei atrasado pela terceira e não tive coragem de  protocolar  o motivo. 

5 comentários:

Josinha disse...

Adorei, como sempre o grande poeta se maninfesta... Beijos

Gisele Santana disse...

hahahaha, adorei o post, seria tragico se não fosse cômico. Saudades amigo!

Gisele

Karla Chugam disse...

meu poeta favorito!

obrigada por estar aqui.

rosana disse...

adorei,tem momentos na vida que queremos disser apenas viva intensamente,ame como nunca amou ,quero ver se a maioria tem coragem....kkkkkkkk bjs

Anônimo disse...

Gostei da sua maneira de passar as palavras e as ideias...