sábado, 19 de maio de 2007

capitulo I NA NOITE DE NATAL


Enquanto a cidade toda comemorava o natal, no morro, Julinho estava sentado no telhado da casa, com uma caneta e um caderno nas mãos ,ele observava as luzes ,os fogos ,a festa que a cidade estava fazendo para saudar a chegada de papai Noel.
Julinho sempre foi uma criança comportada. Sua mãe trabalhava de doméstica de segunda a sábado num condomínio residencial de luxo. Embora o condomínio fosse de luxo o salário era de miséria.
O resto do almoço e da janta não podia ser servido para os cães, como a patroa sempre dizia ; "Para meus filhotes sempre o melhor". De certa forma esta exigência agradava a empregada, pois para a alegria da família ela podia trazer o resto para fazer o banquete da família. Julinho cresceu vendo a mãe levantar seis e meia da manha e voltar oito horas da noite.
O que mais Julinho temia, eram que sua mãe nunca mais voltasse para casa da mesma forma que seu pai nunca mais voltou. As lembranças que Julinho tem do pai são apenas as que estão em um álbum de fotografia que estava escondido debaixo da casinha do cachorro. No dia que seu pai partiu ,dona Ziza ,a sua mãe disse que ele foi trabalhar e que no outro dia já estaria em casa novamente. Os dias foram passando e nada do pai voltar .
Durante os dois primeiros meses depois da partida do pai , Julinho religiosamente as seis da tarde descia o morro correndo ,e ia se sentar na pedra branca de onde podia ver toda a movimentação das pessoas descendo do ônibus . E lá ele ficava até quando não podia ver mais os rostos das pessoas por causa da má iluminação da favela.Quase todas as noites ele voltava para casa triste, e sem dizer uma palavra, ia para o quarto chorar. Com o passar do tempo ele acabou criando a fantasia de que seu pai pertencia a ordem secreta de cavaleiros negros que tinha a missão de defender as crianças do mundo todo contra os monstros que viviam dentro do armário e debaixo da cama.Toda vez que alguém perguntava de seu pai ,ele enchia o peito e dizia – meu pai esta lutando contra monstros num país distante.
Dona Ziza nunca percebeu a capacidade que Julinho tinha de criar fantasia e também de acreditar nelas.Ele passava a maior parte do dia brincado sozinho , se pela manhã ele era capitão de um barco certamente na tarde ele seria o pirata que afundaria o barco. Todas as fantasias que Julinho criava de um jeito ou de outro, ele acabava finalizando no mesmo dia ou no mais tardar na mesma semana .
Certa vez Julinho decidiu que todas as formigas deveriam ter nome e nome de gente , com nome e sobrenome .Assim ele criou a imperatriz Maria de Fátima e Silva ,a primeira formiga saúva a governar um quintal povoado de monstros gigantes que falavam javanês. Maria de Fátima e Silva a primeira imperatriz da rua A numero 28 aprendeu a falar javanês com um besouro que foi feito prisioneiro na batalha do lixão. Esta batalha aconteceu na manhã de quarta-feira.Os besouros invadiram o formigueiro tentado resgatar a Princesa Cabeça-de-boneca-Careca, que caiu do céu direto no meio do formigueiro. Julinho viu quando a Imperatriz Maria de Fátima e Silva guiou orgulhosamente o seu exercito pelo terreiro. A fila enorme de súditos marchando em direção dos besouros, fez com que todo o jardim parasse para assistir a investida triunfante da imperatriz e seu magnífico exército.
Avante formigas– ela gritava em javanês para impressionar o general do exército inimigo.
Enfrente Besouros – O general gritava em javanês, que a sua segunda língua. Pois ele fora criado no quintal ao lado onde a linha materna era o chinês .Entre os insetos do jardim a fama do general era de um sujeito impiedoso e a vitória sobre as formigas corria de bico em bico dos pardais e colibris.
Durante quase quinze minutos ,Julinho contemplou e coordenou a vitória da Imperatriz Maria de Fátima e Silva e ajudou a fazer do general um prisioneiro de guerra.
Na tarde da mesma quarta-feira ,Juliano criou o maior dilúvio da historia da Vila nova Morada e destruiu o reino das formigas, e em seu lugar ele criou o exercito dos caramujos alados.
Na noite de natal, sua mãe chegou tarde do trabalho, Ficou para ajudar a patroa a fazer a ceia. A noite estava clara e o céu cheio de estrelas. Do alto do telhado Juliano viu quando o ultimo ônibus parou no pé do morro e dele saiu algumas pessoas, entre elas, dona Ziza.
Ela desceu do ônibus com duas sacolas nas mãos e Julinho já sabia que nelas continham a ceia que ambos iriam ter. Dona Ziza trouxe um peru, duas champanhas e uma caixa de panetone.
Quantas vezes eu te disse para não ficar ai em cima menino- gritou dona Ziza antes de chegar ao portão.
Julinho desceu do telhado sem dizer uma só palavra e foi direto para o banheiro lavar as mãos.
Ele percebeu que a magia do natal não havia contagiado a sua mãe. Ela estava com o rosto casado, quando entrou na casa. Sentou em uma das duas cadeiras que junto com a mesa,geladeira e o fogão preenchiam quase todo os espaços da cozinha. Pôs as sacolas na mesa e de cabeça baixa procurou forças para sorrir. Naquela hora da noite era quase impossível encontrar energia para um simples sorriso ou ate mesmo algumas palavras que transmitissem a alegria que esta data significa para uma criança de oito anos tem em comemorar o natal. Julinho saiu do banheiro com a toalha na mão e foi se sentar na porta de onde tinha a visão panorâmica da rua. Por algum tempo ambos ficaram calados,Julinho observava a festa que seus visinhos estavam fazendo, via como as outras crianças desfilavam com roupas e brinquedos novos. Para uma criança de oito anos,ele tinha uma outra visão de mundo,nunca chorou pedindo brinquedos ou roupas novas. Não gostava de ver TV e também não ia para a escola.
Dona Ziza levanta da cadeira, desembrulha as sacolas. Colocou o peru numa forma, e por alguns segundo ela avalia que melhor seria se ambos ceassem o que já estava pronto da noite anterior. Ela não levou mais de dez minutos para preparar a ceia. Arroz, feijão, macarrão e frango frito,não colocou os alimento em tigelas especiais como fizera na casa da patroa. Quatro panelas sobre o fogão. Vai se por acaso amanhã alguém resolve aparecer aqui- Pensou dona Ziza ao preparar o prato para o Juliano. Dona Ziza sempre guardava o melhor para o outro dia ,pois tinha a esperança que alguém viria para jantar, almoçar ou tomar café, e sempre acabava ela e o filho compartilhando de uma comida saborosa em silêncio. Um silêncio que parecia não incomodar nenhum dos viventes daquela casa.
Julinho pegou o prato das mãos da mãe e foi se sentar na porta para continuar vendo o movimento das pessoas na rua. O prato sobre as pernas magras, a colher descansava num canto do prato , com as mãos pequenas levava o frango até boca. Tal era o prazer que ele encontrava em comer aquele frango que todas as luzes da cidade parecia perder o brilho.
Dona Ziza voltou a sentar na cadeira e só se levantou quanto o prato do filho estava sobre a pia .Ela terminou de lavar a louça e foi se sentar no sofá da sala para assistir TV .
Juliano levanta,fecha a porta e as janelas, apaga a luz da cozinha, vai ate o quarto e pega um lençol para cobrir a mãe já adormecida no sofá. Desliga a televisão e no silêncio que tomou conta da casa, ele beija o rosto da mãe e diz baixinho em seu ouvido; "tenha um feliz natal".