terça-feira, 26 de abril de 2011

Foi sempre assim...

Foi sempre assim...



Célio Roberto ( Jamaica ) Pereira de Oliveira*


Marcos todas as manhãs, fazia o mesmo trajeto. Saia de casa, descia a rua das amoreiras, caminhava até a banca de jornal e lia as manchetes principais. Pegava o mesmo ônibus todos os dias e quase sempre se sentava no mesmo lugar. Quando estava de bom humor conversava com outros passageiros, o assunto era quase sempre o mesmo; futebol, tempo, novela, o preço do pão, do leite, o assalto, qualquer coisa era um bom motivo para conversar e passar o tempo. Muitas vezes ele se mostrava interessado no tema e até dava palpite sobre este ou aquele assunto. Na maioria das vezes a opinião que expressava era a que estava estampada na manchete do jornal. Descia no mesmo ponto e tomava café na mesma lanchonete.
- Pingado?
- Café preto.
- Açúcar
- Adoçante.
Chegava ao trabalho às 07h45min, caminhava até a sua mesa no final corredor de onde só se levantava às 12 horas.
- Marcos você vem? Hoje vamos almoçar no restaurante lá perto da rodoviária!
A resposta era sempre a mesma. “podem ir que depois se der eu apareço lá” e nunca ia. Na verdade ele gostava de almoçar no restaurante que ficava na esquina da empresa, por que era o único lugar no centro da cidade onde ele se sentia à vontade. Tinha uma mesa reservada para ele que ficava próxima da janela com vista para o fundo cinza de um prédio comercial. Era sempre o mesmo ritual, ele entrava no restaurante por volta das 12h10min ia ao banheiro lavava as mãos, e se sentava na cadeira que ficava voltada para a janela. Não gostava de companhia enquanto almoçava. Todo o dia depois de almoçar ele atravessava a rua e ia se sentar no mesmo banco da praça, de onde por 25 minutos contemplava o mundo ao seu redor. As pessoas que freqüentava aquela praça já começavam formular teses sobre aquele misterioso homem sentado no banco próximo ao pé de aroeira. Uns diziam que ele era um solitário que morava nas proximidades, outros diziam que era um escritor falido que agora vivia no anonimato. Havia também que os que defendiam a tese de que ele era um ator que fez muita fama na década de 80 e que agora não consegue contrato para trabalhar nas novelas globais. Esse comentário nunca chegou a seu conhecimento.
Numa quarta-feira ele fez tudo exatamente igual, saiu de casa no mesmo horário, pegou o mesmo ônibus, sentou no mesmo banco, teve o mesmo dialogo na lanchonete, chegou à empresa no mesmo horário e se dirigiu para mesma sala no final do corredor. Fez tudo como exatamente fazia há mais de quatro anos.
Almoçou no mesmo restaurante e atravessou a rua e foi em direção do mesmo banco. Para seu espanto tinha um outro homem sentado no seu lugar predileto. Durante alguns segundos ele analisou aquela situação e percebeu que havia outros bancos desocupados na praça e que não tinha explicação o homem escolher sentar-se logo no seu banco que foi companheiro de muitos anos.
- Boa tarde
- Boa tarde. Respondeu o homem sem tirar os olhos do livro.
- Você poderia escolher outro lugar para ler, porque este aqui é meu.
- Desculpe, não entendi.
- É que eu sento neste banco todos os dias, de segunda à sexta...
- Bom, mas como você pode ver este lugar já está ocupado.
- Sim, mas é só o senhor ir se sentar naquele banco ali
- Ai você vem e se senta neste banco aqui
- Isso mesmo
- Não.
- Como assim?
- Eu tenho os mesmos direitos que você de ocupar este espaço aqui
- Não quero saber se você tem ou não os mesmos direitos que eu. O que eu quero é que você saia do meu lugar.
- Hoje eu sou tão cidadão quanto você. Se caso estivéssemos na Roma antiga, tudo bem, ai você teria privilégio, pois naquela época meu amigo, o direito de exercer a cidadania era explicitamente restrito a determinadas classes e grupos sociais. Hoje somos iguais.
- Acredito que o senhor não está me entendendo, a minha preocupação não é a Roma antiga. Eu quero sentar no meu banco.
- Você esta vendo estas pessoas que estão passando ai, muita delas não sabem que na declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição federal têm artigos que garantem o direito de igualdade.
- tudo bem, mas onde?
- no art. 7, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos art. 3º, 4º e 5º, da constituição da Republica Federativa do Brasil
- não foi isso que eu perguntei. Eu quero saber onde você vai sentar!
- Vou permanecer sentado aqui mesmo mais ou menos uns 40 minutos.
- Você não pode... 40 minutos é muito tempo. Agora são 12h35min não posso esperar mais 40 minutos. Você poderia ir se sentar em outro banco, já que este banco é meu?
- Este banco é publico!
- Mas eu me sento ai todos os dias!
- Você estava aqui quando eu cheguei?
- Não, mas eu estava vindo.
- Mas não tinha chego aqui ainda
- Não importa
- Importa sim, o banco, a praça, aquele bebedouro ali... São todos patrimônios públicos. Todos têm direitos de usar. Mas cada um no seu tempo. Imagine se todas as pessoas que estão passando por esta praça resolvessem tomar água ao mesmo tempo no mesmo bebedouro ou se todos resolvessem jogar bola naquela quadra ali. Isso ia se tornar um caos. Por isso temos que estabelecer regras
- Não estou aqui para beber água nem para jogar bola, o que eu quero e me sentar.
- Existe mais de seis bancos nesta praça e você quer logo neste?
Marcos olhou no relógio e avaliou que se continuasse naquela discussão não chegaria ao trabalho no horário de sempre. Antes de voltar correndo para o seu posto de trabalho deu a ultima palavra.
- Amanha estarei aqui e quero me sentar em meu lugar, pobre de quem estiver sendo neste banco!
Na quinta-feira ele fez tudo exatamente igual e depois do almoço caminhou ate a praça e encontrou o banco vazio com uma placa dizendo “tinta fresca”, ele permaneceu em pé sem saber o que fazer.

2 comentários:

Anônimo disse...

MAYLON, O POEMA FOI MUITO BOM POR QUE EU LI OPOEMA

Elaine Beatriz Mazur disse...

Eu gosto tanto desse texto...Já o li inúmeras vezes...E é impressionante como cada vez que se lê pode-se interpretar de uma maneira diferente...Quantas vezes as pessoas agem assim,não é?(Falo por mim mesma...)Então vem a vida e nos surpreende com situações inesperadas...Então acho que a reação que temos é como se diante de nós estivesse uma placa escrita:TINTA FRESCA!